Qual a diferença entre intolerância religiosa e racismo religioso? Entenda denúncia de mãe de santo na PB e a decisão do juiz
Entenda diferença entre intolerância e racismo religioso Imagem ilustrativa/Pixabay Uma decisão judicial gerou uma denúncia de racismo religioso contra um ...
Entenda diferença entre intolerância e racismo religioso Imagem ilustrativa/Pixabay Uma decisão judicial gerou uma denúncia de racismo religioso contra um juiz de João Pessoa. Ele negou indenização a uma mãe de santo que teve uma corrida cancelada por um motorista de aplicativo que se recusou a ir a um terreiro de candomblé. Na sentença, o magistrado entendeu que a intolerância partiu da própria mãe de santo, e não do motorista. Racismo religioso e intolerância religiosa possuem diferenças. O g1 procurou especialistas em direito religioso e antidiscriminatório para entender o que diferencia cada forma de discriminação. Carla Uedler, advogada especialista em direito antidiscriminatório e coordenadora de Promoção da Igualdade Racial do município de João Pessoa, explica que a intolerância religiosa é quando uma pessoa ofende ou tenta impedir alguém de exercer a sua religião. “Isso pode acontecer com qualquer grupo religioso, como evangélicos, católicos, judeus, muçulmanos, espíritas, entre outros. É um tipo de preconceito que se baseia na rejeição da fé do outro, e pode se manifestar por meio de insultos, ameaças, destruição de templos ou impedimento de rituais”. Já o racismo religioso é uma forma de intolerância mais grave, em que o ataque à religião está diretamente ligado à origem étnica ou racial das pessoas que a praticam, como afirma Carla Uedler. “Nesses casos, o preconceito não é apenas contra a fé, mas contra toda cultura, história e identidade ancestral.” Franklin Soares, especialista em direito religioso, diz que os alvos do racismo religioso são os mesmos grupos alvos do racismo padrão, como as religiões de matriz afro-indígena e muçulmanos. “Por tratar de racismo, o racismo religioso ofenderá os mesmos segmentos que hoje são marginalizados como o racismo padrão, como os povos de terreiro, para citar um exemplo”. O advogado acrescenta que, no racismo religioso, além da ofensa verbal, existem outros efeitos, como tentar segregar alguém por causa da religião. “No caso do racismo religioso, a ação ofensora transborda a verbalização e tem efeitos mais concretos, materiais, quando o objetivo não é unicamente atingir a crença de outrem, mas afastar, segregar alguém em razão de sua crença”. Conforme a Lei nº 14.532/2023, que atualizou a Lei nº 7716/1989, conhecida como Lei do Racismo, a pena para os crimes é de dois a cinco anos de prisão e multa, mas pode haver acréscimo a depender do ambiente em que ocorre, como explica Carla Uedler. “Podem ser aumentadas de um terço até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com o intuito de descontração, diversão ou recreação e se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à religião”. 📱 Clique aqui para seguir o canal do g1 PB no WhatsApp Decisão de juiz no caso da mãe de santo O Ministério Público da Paraíba (MPPB) abriu um procedimento para apurar a decisão do juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa. O caso foi denunciado por uma associação de proteção ao direito religioso. O órgão vai enviar o caso à corregedoria do Conselho Nacional de Justilça (CNJ). O g1 teve acesso ao documento em que a promotoria abriu a apuração e em que ela leva em consideração o entendimento do Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural Omidewa, a associação que questionou a sentença inicialmente. De acordo com o instituto, a sentença não é somente um erro jurídico, mas também uma manifestação de intolerância religiosa institucionalizada e um falho cumprimento do dever estatal de proteger a liberdade de culto. Ao cancelar a corrida, o motorista respondeu por mensagem no aplicativo, no dia 23 de março de 2024, o seguinte: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”. A corrida foi cancelada em seguida. A mensagem motivou a ação judicial da mãe de santo, que pediu uma indenização de R$ 50 mil. Mais de um ano depois da judicialização do episódio, o caso foi julgado pelo juiz Adhemar Ferreira Neto, em setembro de 2025. No despacho do magistrado, ele analisou que era a mãe de santo quem cometeu a intolerância. "A autora, a se ver da inicial, ao afirmar considerar ofensiva a ela a frase 'Sangue de Cristo tem poder', denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria. E não do motorista inicialmente selecionado pela ré para transportá-la", diz trecho da sentença. Segundo o juiz, a mensagem enviada pelo motorista é "livre manifestação de uma crença, e de respeito pela crença do outro. No caso, respeito pela crença da autora". Ele acrescentou também em sua decisão que o ato de recusar a corrida esteve separado de qualquer intenção preconceituosa e que está pautado na liberdade de aceitar e recusar as corridas no aplicativo, como é previsto nas próprias diretrizes do serviço. Mãe de santo diz estar 'abalada e consternada' Em nota enviada ao g1, Lúcia de Fátima disse que "recebeu a decisão com profunda comoção e indignação", o que causou um "impacto emocional profundo". "O teor, que não reconheceu o racismo religioso sofrido e, inversamente, sugeriu a minha intolerância, causou um impacto emocional profundo, afetando a mim, o meu terreiro, o Ilê Axé Opó Omidewá, e reverberando na dor e na luta de todos os Povos de Terreiro do nosso país", diz trecho da nota. A mãe de santo disse ainda que, apesar de estar abalada emocionalmente, destacou que, no âmbito de sua fé, ela continua "firme" para professar a liberdade religiosa. O que diz o juiz sobre o caso e a investigação do MP Ao g1, o juiz disse que a ação em que deu a decisão não corre em segredo de Justiça e que "qualquer do povo pode ter acesso a ela, pelas vias adequadas". Sobre a sentença, o juiz disse que a "conduta nos processos em que atua é pautada pela estrita observância às leis vigentes no país, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e ao Código de Ética da Magistratura Nacional". Sobre a apuração em torno da sentença, o magistrado disse que "não tem como opinar sobre processo, meu ou de outrem, ainda não transitado em julgado. Pelo mesmo motivo, não tem como opinar sobre atividade externa relativa a esse processo, desenvolvida por quem quer que seja." Racismo religioso: entenda o preconceito envolvendo raça e credo. Vídeos mais assistidos do g1 Paraíba